ENTREVISTA: dialogando com a Fé Bahá’í
publicado em: http://www.conic.org.br/cms/noticias/112-entrevista-dialogando-com-a-fe-bahai
Dom, 14 de Outubro de 2012 11:42 |
O
CONIC está fazendo uma série de entrevistas com autoridades religiosas e
pessoas engajadas no mundo ecumênico/religioso. Os temas abordados
nessas entrevistas versarão sobre pluralismo religioso, a importância do
diálogo, interação entre as religiões e assuntos afins.
O objetivo da série é ouvir o que essas pessoas têm a dizer e, assim,
fomentar o debate. Nossa quarta entrevistada é com o representante da
Comunidade Bahá’í do Brasil, Iradj Roberto Eghrari. Confira:
1) Em contramão com o que vemos ocorrer em muitas partes do
mundo, o Brasil ainda é um país em que diversas correntes religiosas
convivem harmonicamente. Como avalia isso?
É uma harmonia relativa, pois abrange apenas certos grupos de
religiões. Onde está o convívio harmônico entre as religiões de matriz
africana e cristãs evangélicas? Como acreditar que existe um convívio
harmônico se já é possível verificar uma discriminação contra a
população islâmica aqui no país?
Da mesma forma que existe o mito da democracia racial, também existe
esse mito de que há um convívio harmônico entre as religiões. Há até
determinados embates por busca de poder hegemônico entre algumas
religiões. Um exemplo nítido é a questão de ensino religioso em escolas e
outros espaços para debate do conhecimento e espiritualidade em que
algumas religiões buscam uma hegemonia confessional.
A pergunta estimula a reflexão de como alcançar a harmonia religiosa. Um desafio ainda a ser alcançado.
2) Na sua opinião, qual a importância do diálogo entre as religiões?
O diálogo entre as religiões é fundamental. Os bahá’ís advogam o
princípio essencial da unidade do fenômeno religioso. Acreditamos que as
religiões nascem de um mesmo Criador, de um mesmo Pai, de um mesmo Deus
e que todas têm um fio condutor único, ou seja, não existem religiões
no plural - existe uma única religião que é a mensagem que Deus
transmite aos seres humanos de tempos em tempos, trazendo guia,
orientação e um acolher divino que nos dá sentido a vida.
O diálogo inter-religioso estimula os seguidores das religiões a
perceber que o Bhagavad Gitá, o Alcorão, os Vedas, a Bíblia, a Torá, o
Zend Avesta, Mahabharata, Kitáb-i-Aqdas todos eles são iguais. Não
poderia ser diferente se todos provêm do mesmo Criador, de um único
Deus. É impossível que sejam contraditórios.
O diálogo inter-religioso deve acontecer em dois níveis: pelos
representantes das lideranças religiosas (o maior desafio, onde
acontecem mais desentendimento) e os seguidores das religiões (que
acabam copiando o padrão de comportamento da liderança religiosa). É
fundamental promover o diálogo com o intuito de desmitificar a ideia de
que as religiões são conflitantes, contraditórias e que há mais de um
Deus.
3) Em alguns países, os bahá’ís são duramente perseguidos. Na
sua análise, levando em consideração fatores como a Primavera Árabe,
essa perseguição tende a diminuir ou aumentar nos próximos anos?
Por meio de movimentos como da Primavera Árabe, em que a sociedade
civil buscou a liberdade de expressão, de crença, de pensamento, de ir e
vir, de escolha, de associação, países experimentam novas
possibilidades de integração e de convívio entre os diferentes;
finalmente nesses países pode-se falar de diferenças, em uma sociedade
que busca escutar de todos qual a contribuição que cada um tem a dar
pela transformação do mundo.
Então de um lado sim, os bahá'ís começam a ter maiores possibilidades.
No Egito, depois de praticamente 50 anos de banimento oficial que os
bahá'ís sofreram pela lei egípcia, ainda hoje, depois da mudança do
regime os bahá'ís continuam banidos, porém, a população pode
expressar-se de forma livre e espontânea o seu desejo de conhecer mais
sobre os bahá'ís. E os bahá'ís podem dar a sua parcela de contribuição
para a construção de uma nova sociedade.
O problema está no segundo aspecto que é político, institucional, de
governança nesta nova etapa pelos países da Primavera Árabe. Se o
governo do Egito, Tunísia, Síria e tantos outros países continuarem com a
adoção de padrões antidemocráticos, a população continuará refém de uma
espécie de ditadura, na qual existem severas violações de direitos
humanos. Se as lideranças dos países não se sensibilizarem em perceberem
o diferente e buscarem contribuir no processo de transformação da
sociedade, trazendo o direito de ser e existir destas populações, tal
primavera logo adentrará no seu velho e conhecido inverno.
Para que a governança seja considerada verdadeiramente democrática, é
necessário haver um espaço no qual os bahá'ís e outras minorias
religiosas possam expressar livremente os ensinamentos de sua religião
de acordo com o artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos
que preconiza o direito de cada ser humano mudar de religião, professar a
sua religião, escolher a sua religião, expressar da forma que melhor
lhe convier os seu sentimento religioso.
Os bahá'ís não constituem um movimento político ou uma base
contestadora da autoridade governamental constituída. Por uma questão de
princípio, os bahá'ís não se envolvem em nenhum movimento pela
derrubada do regime por mais cruel que ele seja, e um exemplo disto é o
que acontece no Irã: apesar da acentuada perseguição, os bahá'ís não
buscam a violência, não pegam em armas, não se levantam contra a
autoridade do governo, e apenas buscam o diálogo e movimento pacífico,
buscam alcançar seus direitos. Mesmo assim não os tem de forma ampla nos
países islâmicos do Oriente Médio.
4) Um grande canal de TV aberta tem veiculado uma série chamada
“Sagrado”, onde líderes de muitas religiões falam sobre sua fé.
Iniciativas assim são importantes? Por quê?
A iniciativa da Rede Globo é importante e louvável. Assisto a esse
programa e o curto, mesmo às 6h da manhã! Acredito que poderia ser um
pouco mais longo e aprofundado. A iniciativa traz à luz a possibilidade
que nós, enquanto população brasileira, conheçamos outras realidades
religiosas como a budista, islâmica; conheçamos a percepção de
denominações religiosas que não são a que nós seguimos, como as
religiões de matriz africana como o candomblé ou umbanda. Mesmo sendo
católico, eu posso escutar um pastor protestante dizer sobre algo
determinada questão. Os temas apresentados são atuais, e trazem a ideia
de que a religião não pode estar dissociada do nosso cotidiano. No
entanto, é uma pena que esta emissora não esteja aberta ao pensamento de
que a diversidade deveria estar representada e, que tal
representatividade não esteja vinculada a quantidade de adeptos no
Brasil ou pelo julgamento do diretor do programa. Um exemplo disto é
que, embora o número de budistas seja equiparado ao número de bahá'ís no
Brasil, a Rede Globo argumentou que “existem poucos bahá'ís no Brasil”.
Fica claro que não se trata da quantidade de seguidores bahá'ís, mas a
negação reside no desconhecimento, na discriminação de algo que lhe é
diferente e desconhecido.
Faço aqui um convite aos dirigentes da área de jornalismo da Rede Globo
para que deixem de lado essa falsa premissa de que números é que
importam e vejam na verdade a contribuição que cada religião pode
trazer. No momento em que o programa Sagrado ganhar uma representação de
grupos religiosos mais diversos, a visão da sociedade será ampliada.
5) Um mundo de paz, onde todos respeitam a opção religiosa do outro, é possível?
Não só é possível, como é realizável e inevitável. O mundo alcançará a
paz através de horrores inimagináveis – e infelizmente a religião pode
estar no cerne desse caos – ou chegará a paz por meio de um movimento de
vontade consultiva, a vontade de dialogar oriunda do desejo de todos os
povos e raças da terra. Então, é possível sim o entendimento das
religiões, é necessário esse diálogo harmônico e essa é uma
responsabilidade das lideranças religiosas.
Grandes desafios da humanidade hoje, ainda que não estejam superados,
são capazes de sinalizar a possibilidade de uma solução. Nenhuma mente
socialmente responsável hoje é capaz de dizer que racismo é algo que
tenha sustentação teórica ou prática, e todos condenam o racismo. Há cem
anos atrás a maioria da população mundial ainda considerava os negros
inferiores aos brancos. Há 50 anos atrás, o racismo ainda tinha força
nos Estados Unidos, onde a segregação racial era um fato. Nota-se que o
mundo evoluiu nas organizações de direitos humanos, movimentos pelos
direitos civis e das próprias Nações Unidas que impulsionaram o debate
através do estabelecimento de uma série de tratados internacionais que
favoreceram o estabelecimento de um pensamento novo, diferenciado,
audacioso em prol da eliminação do racismo.
Hoje, da mesma forma ninguém é capaz de justificar qualquer
discriminação contra a mulher, assim como a manutenção dos extremos de
riqueza e pobreza, níveis degradantes de educação e uma série de outras
violações a dignidade humana. Porém, o mundo sustenta a contenda
religiosa, e não é papel das Nações Unidas e nem dos Estados resolverem o
problema: a contenda religiosa só é resolvida através dos próprios
líderes religiosos. É possível chegar a um acordo, deixando de lado as
diferenças e focando os pontos em comum, que são muitos!
Se quisermos um mundo pacífico, cabe a nós, população mundial exigirmos
das lideranças religiosas que mantenham um diálogo no qual essas
divergências sejam absolutamente superadas e se possa construir um mundo
pacífico.
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